Momento de reflexão. Com tudo o que vem acontecendo, comnossa apatia e alienação, até onde vamos continuar votando em lagartos?
Capítulo 36
O
disco voador no qual Ford Prefect viajou clandestinamente causou a maior
comoção em todo o mundo. Finalmente, não havia mais nenhuma dúvida ou
possibilidade de erro, nenhuma alucinação e nem misteriosos agentes da CIA
flutuando em reservatórios.
Daquela
vez, era real, era definitivo. Era total e definitivamente definitivo.
O
disco voador desceu com um magnífico desdém por qualquer coisa que pudesse
estar abaixo dele e esmagou uma extensa área de algumas das propriedades mais
caras do mundo, incluindo uma boa parte da loja Harrods.
A
coisa era enorme, com quase dois quilômetros deextensão, prateada, esburacada,
chamuscada e desfigurada com as cicatrizes de inúmeras batalhas espaciais violentas,
lutadas com selvageria à luz de sóis desconhecidos para o homem.
Uma
escotilha se abriu demolindo uma seção de gastronomia da Harrods, demoliu a
Harvey Nichols e, com um rangido final de arquitetura torturada, derrubou o
Sheraton Park Tower.
Após
um longo e angustiante momento no qual seouviram estrondos e resmungos de aquinaria
destruída, de lá saiu, descendo pela rampa, um enorme robô prateado, com trinta
metros de altura.
Ele fez
um gesto, levantando a mão.
– Eu
venho em paz – anunciou ele, acrescentando após um longo momento de esforço
adicional – levem-me ao seu lagarto.
Ford
Prefect, é claro, tinha uma explicação para aquilo tudo, enquanto assistia com
Arthur às repetidas reportagens frenéticas na televisão que, por sinal, não
tinham nada a dizer, além de anunciar que a coisa tinha causado um prejuízo
tal,avaliado em tantos bilhões de libras e que tinha matado aquele outro número
completamente diferente de pessoas, e depois repetiam tudo novamente, porque o
robô, desde então, estava prostrado, balançando levemente o corpo e emitindo
pequenas mensagens de erro incompreensíveis.
–
Ele vem de uma democracia muito antiga, sabe...
–
Você está querendo dizer que ele vem de um mundo de lagartos?
–
Não – respondeu Ford que, àquelas alturas, já estava um pouco mais racional e
coerente do que antes, tendo finalmente sido forçado a tomar uma xícara de café
-, nada tão trivial. Nada assim tipo isso tão compreensível. No mundo dele, as
pessoas são pessoas. Os líderes é que são lagartos. As pessoas odeiam os
lagartos e os lagartos governam as pessoas.
– Ué
– comentou Arthur -, achei que você tinha tido que era uma democracia.
– Eu
disse – afirmou Ford. – E é.
–
Então – quis saber Arthur, torcendo para não soar ridiculamente estúpido -, por
que as pessoas não
se
livram dos lagartos?
–
Isso sinceramente nunca passou pela cabeça delas – disse Ford. – Como elas têm
direito de voto, acabam supondo que o governo que elegeram é mais ou menos
parecido com o governo que querem.
–
Quer dizer que eles realmente votam nos lagartos?
–
Ah, sim – disse Ford, dando de ombros -, é claro.
–
Mas – perguntou Arthur, sem medo de ser feliz – por quê?
–
Porque, se deixam de votar em um lagarto – explicou Ford -, o lagarto errado
pode assumir o poder. Você tem gim?
– O
quê?
– Eu
perguntei – disse Ford, com um tom crescente de impaciência entranhando-se em
sua voz – se ocê tem gim.
–
Vou ver. Conte-me sobre os lagartos.
Ford
deu de ombros novamente.
–
Algumas pessoas dizem que os lagartos são a melhor coisa que já lhes aconteceu
– explicou ele. – Elas estão completamente enganadas, é claro, completa e
absolutamente enganadas, mas é preciso que alguém tenha a coragem de dizer
isso.
–
Mas isso é terrível – disse Arthur.
–
Olha, meu camarada – disse Ford -, se eu ganhasse um dólar altairiano cada vez
que eu ouvisse um fragmento do Universo olhando para o outro fragmento do
Universo e dizendo "Isso é terrível", eu não estaria sentado aqui
como um limão procurando por umgim. Mas não ganho e aquiestou. Enfim, por que você
está assim todo sereno, com essa cara de babaca? Está apaixonado?
Arthur
disse serenamente que estava, sim.
–
Com alguém que sabe onde está a garrafa de gim? E eu vou conhecê-la?
Conheceu,
porque Fenchurch entrou naquele exato momento com a pilha de jornais que foi
comprar na cidade. Hesitou diante dos destroços na mesa e dos destroços de
Betelgeuse alojados no sofá.
–
Onde está o gim? – Ford perguntou a Fenchurch. E, virando-se para Arthur: – O
que aconteceu
com
a Trillian, por sinal?
–
Hum, essa é Fenchurch – disse Arthur, completamente sem graça. – Não rolou nada
com a Trillian, você deve ter visto ela por último.
–
Ah, é – disse Ford -, ela se mandou com Zaphod para algum lugar. Tiveram filhos
ou algo no gênero. Ou ao menos – acrescentou -, eu acho que eram filhos. Zaphod
deu uma boa sossegada, sabe.
–
Sério? – perguntou Arthur, ajudando Fenchurch com as compras.
–
Sério – disse Ford. – Ao menos uma de suas cabeças agora está mais sã do que um
avestruz que tenha tomado ácido.
–
Arthur, quem é esse? – perguntou Fenchurch.
–
Ford Prefect – respondeu ele. – Acho que já te falei dele por alto.
Referência bibliográfica:
ADAMS, Douglas. Até mais, e obrigada pelos peixes! Trad. Marcia Heloisa Amarante Gonçalves. Volume 3 da coleção O guia do mochileiro das galáxias. Edição popular. São Paulo: Arqueiro, 2010. p. 44 e 45.
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